quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Feliz Ano Novo

Um ano vai e outro vem e as forças ocultas continuam a contribuir para o nosso apocalipse diario.Mas,como na letra dos Engenheiros,é preciso acreditar em algo e os caras que pensam que são "Os Caras" vão estar no Museu de Cera.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Um Natal Presente de Isabela

Por que ler a Bíblia é essencial para entender o mundo em que vivemos




"No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria. Entrando onde ela estava, disse-lhe: 'Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!'. Ela ficou intrigada com essa palavra e pôs-se a pensar qual seria o significado da saudação. O Anjo, porém, acrescentou: 'Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus. Eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, e tu o chamarás com o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado o Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará na casa de Jacó para sempre, e o seu reinado não terá fim'. (...) Disse então Maria: 'Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!'. E o Anjo a deixou."


Extraída do Evangelho de São Lucas, a passagem acima é uma das mais belas e conhecidas daquele que é, por sua vez, o livro mais lido e célebre de todos os tempos - a Bíblia. Só nessa pequena passagem, tem-se uma síntese de uma questão que está no centro da Bíblia. Como, afinal, esse livro escrito no decorrer de mais de 1.000 anos deve ser lido? Como uma transcrição direta da palavra de Deus, segundo creem tantos? Como um livro histórico, tão somente? Ou, conforme querem outros, como uma ferramenta que grupos diversos podem manejar na busca por poder e supremacia? Seria possível imaginar que, passadas dezenas de séculos do advento desse livro, tais questões não mais teriam lugar no mundo moderno. Sucede exatamente o contrário. A religião nunca deixou de ser força motriz dos rumos da história do homem, tampouco fonte de tensão. E, na última década em especial, ela ressurgiu com efeito redobrado no centro do cenário político global. De onde ler a Bíblia - e entender como ler a Bíblia - não é nem de longe um conhecimento periférico na vida do século XXI.

Muitos estudiosos se dedicam a mostrar como a forma, o estilo e a escolha de palavras são decisivos no que a Bíblia diz. E mais essencial ainda é o contexto em que ela diz o que diz. O judaísmo e seu descendente (e dissidente), o cristianismo, são fundamentalmente religiões narrativas - muito mais do que qualquer outra das grandes religiões, monoteístas ou não. Vem daí muito da força e da influência sem paralelo da Bíblia sobre o pensamento de uma parcela grande da humanidade, aquela abrangida no que se costuma chamar de civilização judaico-cristã: sem que se faça aqui nenhum julgamento, de natureza alguma, sobre o papel de cada uma das religiões na história dos homens, é um fato da ciência sociopolítica que o judaísmo e o cristianismo tiveram um impacto ilimitado nos rumos dessa história.

Porque contam, entre todas as fés, com o mais extenso, detalhado, profundo e variegado plano jamais disposto para os seguidores de uma divindade, do surgimento do mundo ao seu fim, ou sua transmutação total no reino de Deus: a Bíblia, um conjunto vasto não apenas de ensinamentos, ditames e reflexões, mas de histórias arraigadas em nossa cultura. Para ateus e agnósticos, essa é uma razão para ler a Bíblia: para descobrir por que mesmo quem não crê compartilha a mesma herança que os que creem. É como se a Bíblia e a tradição que ela carrega fossem, enfim, o DNA da civilização ocidental: crer ou não crer corresponde àquela porcentagem infinitesimal de diferenças genéticas que nos separam - todo o resto, ou 99% dos genes, são comuns a todos nós.

Um Natal Passado

sábado, 19 de dezembro de 2009

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Ecos do Piauí

No fundo da rede





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A rede, como qualquer pessoa saudavelmente preguiçosa sabe, foi a maior contribuição que os índios nos legaram. Graças a ela, passamos mais tempo pensando que fazendo bobagens. É simples: quanto mais tempo passarmos deitados, menos danos causaremos aos nossos irmãos, à Natureza, ao Planeta... Mas isso será tema de outro arremedo de crônica em futuro próximo. O objeto dessa arenga é outro.



Há coisa de três anos, o poeta Paulo Machado, irmão e amigo, presenteou-me com uma bela rede, larga, generosa e acolhedora como um colo materno. Feita sob encomenda por mãos peritas, tem varandas de crochê e tudo mais. Não bastasse isso, ostenta as cores do brioso Mengão. Uma rede supimpa, diriam os antigos. Presente de tal monta só poderia ser usado em momento festivo. E o momento se me apresentou quando minh’alma andava meio embaçada pela tristeza. Uma cabeçada certeira de um zagueiro, cuja carreira quase se encerrou de modo trágico, e a bola foi aninhar-se, carinhosamente, no fundo da rede. Num átimo, a nação rubro-negra contagiou com sua alegria transbordante todas as almas sensíveis dessa República enxovalhada por escândalos de todas as versidades. Um cometa luminoso brilhou no céu da pátria... Do Oiapoque ao Chuí, o grito uníssono: “Uma vez Flamengo/ Flamengo até morrer”!



Depois de um jejum de 17 anos, sob o comando de Andrade, um dos remanescentes daquela máquina de triturar adversários, o Mengo tornou-se hexacampeão, tendo como principais estrelas dois jogadores problemáticos e, para muitos, “acabados”: Petkovic e Adriano. O primeiro, “velho demais” para a função de meio-campista; o segundo, “um farrista bipolar”. Peti, repetindo as lições de Didi e Gérson, demonstrou que quem precisa correr é a bola; o Imperador, por seu turno, abiscoitou o título de artilheiro do campeonato. “Capricho dos deuses do futebol”, diria um cronista paulista, repetindo um chavão desbotado.



Como não sou torcedor de sair por aí atirando pedras nos adversários, curti a conquista sem muito barulho. Sou um flamenguista atípico: torci (e como!) para que o Vasco ascendesse à primeira divisão e, principalmente, para que Fluminense e Botafogo não fossem rebaixados. Gosto de ver o meu time vencer adversários fortes: ser lobo entre cordeiros é a “glória” dos fracos. E fraqueza não combina conosco.



O Flamengo já nasceu vitorioso: no primeiro campeonato que disputou (em 1912), com Buena, Píndaro, Nery, Curiol, Gilberto, Galo, Baiano, Arnaldo, Amarante, Gustavo e Borgerth, derrotou o Mangueira pelo placar de 16x2, levando aquela brava gente a desistir definitivamente do futebol para dedicar-se ao samba. Bater em tamborim é bem mais fácil que bater o Mengão.



Na noite de domingo, enquanto meus irmãos de credo e cor desfilavam pelas ruas da cidade, cantando e batucando, armei minha rede rubro-negra, “cheirando a guardado de tanto esperar”, abri uma garrafa de vinho e, com ardente paciência, esperei a chuva que se anunciava. E ela veio: suave, silenciosa e acariciante como os dedos da mulher amada. E meu coração de velho, encharcado de alegria, voltou a pulsar no ritmo dos tombares. Como já afirmei tantas vezes: Deus é velho, muito velho e não abandona os Seus.



Cineas Santos

Professor


Cineas das Chagas Santos nasceu em Campo Formoso, município de Caracol (PI), em setembro de 48. Vive em Teresina desde 65. Professor, editor e livreiro, fundou, com alguns companheiros de geração, o jornal alternativo “Chapada do Corisco” (76/77). É proprietário da Oficina da Palavra e coordena o grupo A Cara Alegre do Piauí. Publicou: Miudezas em Geral (poesia); Tinha que Acontecer (contos); ABC da Ecologia (cordel); Aldeia Grande (humor) e o Menino que Descobriu as Palavras (infantil).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Lembranças da Deselegancia

CONTARDO CALLIGARIS

Lembranças de César Benjamin

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Quase sempre, para ganhar a cumplicidade de todos, temos de apostar no que é boçal
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QUANDO A ditadura chegou, em 1968, aos 14 anos, César Benjamin militava no movimento estudantil secundarista. Preso em 1971, ele ficou na cadeia até ser expulso do país, em 1976. Mais tarde, em 1980, participou da fundação do PT. Em 1995, ele saiu do partido.
Na sexta-feira retrasada, a Folha publicou um artigo de César Benjamin, sob o título "Os Filhos do Brasil".
Nele, Benjamin começa por evocar situações de seu cativeiro, em que presos comuns o respeitaram, embora tivessem sido "incentivados" a estuprá-lo.
Logo, Benjamin narra um episódio de 1994, quando ele trabalhava na campanha eleitoral de Lula. Durante um almoço, Lula, ao aprender que Benjamin ficara preso durante anos, teria comentado: "Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta". A seguir, Lula teria narrado como, nos 30 dias que durara sua detenção durante a ditadura, ele tinha tentado "subjugar" (sexualmente) um "menino do MEP" (Movimento de Emancipação do Proletariado), o qual tinha resistido a cotoveladas e socos.
Benjamin conclui que não assistirá ao filme "O Filho do Brasil" porque o "culto à personalidade" sempre contrasta com a "complexidade da condição humana".
Claro, leitores e comentadores do artigo de Benjamin pediram que "os fatos" fossem apurados. Mas quais fatos?
O fato relatado por Benjamin é o almoço de 1994. Quanto ao que foi dito nesse almoço, Silvio Tendler, publicitário, que estava presente, parece confirmar a letra, mas não o espírito da conversa: "Aquilo foi uma brincadeira, uma piada que ele [Benjamin] tenta transformar em drama".
Como fica, então, a história do "menino do MEP"? Um leitor (José Cláuver, de Macaé, RJ) entende assim: Lula deve ter feito "um relato em tom de chacota, vangloriando-se de sua "macheza", querendo dizer que "traçaria" quem lhe desse oportunidade, num momento de carência sexual. "Macho que é macho não nega fogo!'".
Concordo com José Cláuver e posso facilmente imaginar que Lula, em 1994, tenha inventado a história do "menino do MEP" só porque ela parecia cair bem na conversa, porque era um jeito fácil de cimentar uma cumplicidade entre "homens".
Claro, naquele almoço de 94, visto o passado de César Benjamin, a chacota não tinha como funcionar: o que, para Lula, devia ser uma piada logo esquecida só podia ficar como um horror inesquecível para Benjamin.
Resta acrescentar: saber criar, com poucas palavras, laços imediatos de cumplicidade e companheirismo é uma qualidade, um talento social e político. Infelizmente, quase sempre, a cumplicidade mais fácil é encontrada em nossos denominadores comuns mais estúpidos: a piada que faz rir a todos é a mais boçal.
Era 1975. Eu estava em Milão para Finados, dia em que acompanhava meus pais na visita às tumbas de familiares e amigos.
No dia 3 ou 4 (feriado na Itália), fui para uma reunião ordinária da célula do Partido Comunista de meu bairro. Clima perfeito para os anos de chumbo: a cada vez que entrava um companheiro, a neblina da rua, insinuando-se na sala, confundia-se com a fumaça dos cigarros. Cheguei tarde e sentei perto da porta. Alguém começou a reunião informando: "Companheiros, morreu P... P...P...P...". Falou como se estivesse gaguejando na letra P.
Outro (provavelmente numa piada ensaiada) repetiu, perguntando "P, P, P, P?". "É", explicou o primeiro, contando nos dedos, "Pier, Paolo, Pasolini, Pederasta". Todos riram.
Recuei até a porta e saí para a rua. Atrás de mim saiu Mario Spinella. A princípio, numa reunião como aquela, Mario teria tomado a palavra e empurrado aquela risada de volta para a garganta de todos -ele tinha paciência e cacife para isso. Mas, naquela noite, o cansaço o venceu. Caminhamos em silêncio, constrangidos e envergonhados, até à casa dele, que funcionava, de fato, como uma espécie de biblioteca aberta dia e noite.
Mais tarde, a casa encheu. Alguém decidiu ser engraçado e encenou a morte de Pasolini na praia de Ostia em dialeto friulano.
Quando fui embora, Mario me acompanhou até a porta e me disse: "Pois é, a boçalidade não é uma prerrogativa de classe".
Cheguei à casa dos meus pais pela meia-noite. Meu pai estava lendo, numa poltrona da sala. Peguei, na estante de poesia, "As Cinzas de Gramsci" (que ainda é o Pasolini que prefiro) e sentei ao lado dele.
Ele disse: "Que bom que você voltou". E ficamos lendo, cada um seu livro, madrugada adentro. Foi a última vez que frequentei a célula de um partido político.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009