quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Feliz Ano Novo

Um ano vai e outro vem e as forças ocultas continuam a contribuir para o nosso apocalipse diario.Mas,como na letra dos Engenheiros,é preciso acreditar em algo e os caras que pensam que são "Os Caras" vão estar no Museu de Cera.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Um Natal Presente de Isabela

Por que ler a Bíblia é essencial para entender o mundo em que vivemos




"No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria. Entrando onde ela estava, disse-lhe: 'Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!'. Ela ficou intrigada com essa palavra e pôs-se a pensar qual seria o significado da saudação. O Anjo, porém, acrescentou: 'Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus. Eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, e tu o chamarás com o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado o Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará na casa de Jacó para sempre, e o seu reinado não terá fim'. (...) Disse então Maria: 'Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!'. E o Anjo a deixou."


Extraída do Evangelho de São Lucas, a passagem acima é uma das mais belas e conhecidas daquele que é, por sua vez, o livro mais lido e célebre de todos os tempos - a Bíblia. Só nessa pequena passagem, tem-se uma síntese de uma questão que está no centro da Bíblia. Como, afinal, esse livro escrito no decorrer de mais de 1.000 anos deve ser lido? Como uma transcrição direta da palavra de Deus, segundo creem tantos? Como um livro histórico, tão somente? Ou, conforme querem outros, como uma ferramenta que grupos diversos podem manejar na busca por poder e supremacia? Seria possível imaginar que, passadas dezenas de séculos do advento desse livro, tais questões não mais teriam lugar no mundo moderno. Sucede exatamente o contrário. A religião nunca deixou de ser força motriz dos rumos da história do homem, tampouco fonte de tensão. E, na última década em especial, ela ressurgiu com efeito redobrado no centro do cenário político global. De onde ler a Bíblia - e entender como ler a Bíblia - não é nem de longe um conhecimento periférico na vida do século XXI.

Muitos estudiosos se dedicam a mostrar como a forma, o estilo e a escolha de palavras são decisivos no que a Bíblia diz. E mais essencial ainda é o contexto em que ela diz o que diz. O judaísmo e seu descendente (e dissidente), o cristianismo, são fundamentalmente religiões narrativas - muito mais do que qualquer outra das grandes religiões, monoteístas ou não. Vem daí muito da força e da influência sem paralelo da Bíblia sobre o pensamento de uma parcela grande da humanidade, aquela abrangida no que se costuma chamar de civilização judaico-cristã: sem que se faça aqui nenhum julgamento, de natureza alguma, sobre o papel de cada uma das religiões na história dos homens, é um fato da ciência sociopolítica que o judaísmo e o cristianismo tiveram um impacto ilimitado nos rumos dessa história.

Porque contam, entre todas as fés, com o mais extenso, detalhado, profundo e variegado plano jamais disposto para os seguidores de uma divindade, do surgimento do mundo ao seu fim, ou sua transmutação total no reino de Deus: a Bíblia, um conjunto vasto não apenas de ensinamentos, ditames e reflexões, mas de histórias arraigadas em nossa cultura. Para ateus e agnósticos, essa é uma razão para ler a Bíblia: para descobrir por que mesmo quem não crê compartilha a mesma herança que os que creem. É como se a Bíblia e a tradição que ela carrega fossem, enfim, o DNA da civilização ocidental: crer ou não crer corresponde àquela porcentagem infinitesimal de diferenças genéticas que nos separam - todo o resto, ou 99% dos genes, são comuns a todos nós.

Um Natal Passado

sábado, 19 de dezembro de 2009

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Ecos do Piauí

No fundo da rede





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A rede, como qualquer pessoa saudavelmente preguiçosa sabe, foi a maior contribuição que os índios nos legaram. Graças a ela, passamos mais tempo pensando que fazendo bobagens. É simples: quanto mais tempo passarmos deitados, menos danos causaremos aos nossos irmãos, à Natureza, ao Planeta... Mas isso será tema de outro arremedo de crônica em futuro próximo. O objeto dessa arenga é outro.



Há coisa de três anos, o poeta Paulo Machado, irmão e amigo, presenteou-me com uma bela rede, larga, generosa e acolhedora como um colo materno. Feita sob encomenda por mãos peritas, tem varandas de crochê e tudo mais. Não bastasse isso, ostenta as cores do brioso Mengão. Uma rede supimpa, diriam os antigos. Presente de tal monta só poderia ser usado em momento festivo. E o momento se me apresentou quando minh’alma andava meio embaçada pela tristeza. Uma cabeçada certeira de um zagueiro, cuja carreira quase se encerrou de modo trágico, e a bola foi aninhar-se, carinhosamente, no fundo da rede. Num átimo, a nação rubro-negra contagiou com sua alegria transbordante todas as almas sensíveis dessa República enxovalhada por escândalos de todas as versidades. Um cometa luminoso brilhou no céu da pátria... Do Oiapoque ao Chuí, o grito uníssono: “Uma vez Flamengo/ Flamengo até morrer”!



Depois de um jejum de 17 anos, sob o comando de Andrade, um dos remanescentes daquela máquina de triturar adversários, o Mengo tornou-se hexacampeão, tendo como principais estrelas dois jogadores problemáticos e, para muitos, “acabados”: Petkovic e Adriano. O primeiro, “velho demais” para a função de meio-campista; o segundo, “um farrista bipolar”. Peti, repetindo as lições de Didi e Gérson, demonstrou que quem precisa correr é a bola; o Imperador, por seu turno, abiscoitou o título de artilheiro do campeonato. “Capricho dos deuses do futebol”, diria um cronista paulista, repetindo um chavão desbotado.



Como não sou torcedor de sair por aí atirando pedras nos adversários, curti a conquista sem muito barulho. Sou um flamenguista atípico: torci (e como!) para que o Vasco ascendesse à primeira divisão e, principalmente, para que Fluminense e Botafogo não fossem rebaixados. Gosto de ver o meu time vencer adversários fortes: ser lobo entre cordeiros é a “glória” dos fracos. E fraqueza não combina conosco.



O Flamengo já nasceu vitorioso: no primeiro campeonato que disputou (em 1912), com Buena, Píndaro, Nery, Curiol, Gilberto, Galo, Baiano, Arnaldo, Amarante, Gustavo e Borgerth, derrotou o Mangueira pelo placar de 16x2, levando aquela brava gente a desistir definitivamente do futebol para dedicar-se ao samba. Bater em tamborim é bem mais fácil que bater o Mengão.



Na noite de domingo, enquanto meus irmãos de credo e cor desfilavam pelas ruas da cidade, cantando e batucando, armei minha rede rubro-negra, “cheirando a guardado de tanto esperar”, abri uma garrafa de vinho e, com ardente paciência, esperei a chuva que se anunciava. E ela veio: suave, silenciosa e acariciante como os dedos da mulher amada. E meu coração de velho, encharcado de alegria, voltou a pulsar no ritmo dos tombares. Como já afirmei tantas vezes: Deus é velho, muito velho e não abandona os Seus.



Cineas Santos

Professor


Cineas das Chagas Santos nasceu em Campo Formoso, município de Caracol (PI), em setembro de 48. Vive em Teresina desde 65. Professor, editor e livreiro, fundou, com alguns companheiros de geração, o jornal alternativo “Chapada do Corisco” (76/77). É proprietário da Oficina da Palavra e coordena o grupo A Cara Alegre do Piauí. Publicou: Miudezas em Geral (poesia); Tinha que Acontecer (contos); ABC da Ecologia (cordel); Aldeia Grande (humor) e o Menino que Descobriu as Palavras (infantil).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Lembranças da Deselegancia

CONTARDO CALLIGARIS

Lembranças de César Benjamin

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Quase sempre, para ganhar a cumplicidade de todos, temos de apostar no que é boçal
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QUANDO A ditadura chegou, em 1968, aos 14 anos, César Benjamin militava no movimento estudantil secundarista. Preso em 1971, ele ficou na cadeia até ser expulso do país, em 1976. Mais tarde, em 1980, participou da fundação do PT. Em 1995, ele saiu do partido.
Na sexta-feira retrasada, a Folha publicou um artigo de César Benjamin, sob o título "Os Filhos do Brasil".
Nele, Benjamin começa por evocar situações de seu cativeiro, em que presos comuns o respeitaram, embora tivessem sido "incentivados" a estuprá-lo.
Logo, Benjamin narra um episódio de 1994, quando ele trabalhava na campanha eleitoral de Lula. Durante um almoço, Lula, ao aprender que Benjamin ficara preso durante anos, teria comentado: "Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta". A seguir, Lula teria narrado como, nos 30 dias que durara sua detenção durante a ditadura, ele tinha tentado "subjugar" (sexualmente) um "menino do MEP" (Movimento de Emancipação do Proletariado), o qual tinha resistido a cotoveladas e socos.
Benjamin conclui que não assistirá ao filme "O Filho do Brasil" porque o "culto à personalidade" sempre contrasta com a "complexidade da condição humana".
Claro, leitores e comentadores do artigo de Benjamin pediram que "os fatos" fossem apurados. Mas quais fatos?
O fato relatado por Benjamin é o almoço de 1994. Quanto ao que foi dito nesse almoço, Silvio Tendler, publicitário, que estava presente, parece confirmar a letra, mas não o espírito da conversa: "Aquilo foi uma brincadeira, uma piada que ele [Benjamin] tenta transformar em drama".
Como fica, então, a história do "menino do MEP"? Um leitor (José Cláuver, de Macaé, RJ) entende assim: Lula deve ter feito "um relato em tom de chacota, vangloriando-se de sua "macheza", querendo dizer que "traçaria" quem lhe desse oportunidade, num momento de carência sexual. "Macho que é macho não nega fogo!'".
Concordo com José Cláuver e posso facilmente imaginar que Lula, em 1994, tenha inventado a história do "menino do MEP" só porque ela parecia cair bem na conversa, porque era um jeito fácil de cimentar uma cumplicidade entre "homens".
Claro, naquele almoço de 94, visto o passado de César Benjamin, a chacota não tinha como funcionar: o que, para Lula, devia ser uma piada logo esquecida só podia ficar como um horror inesquecível para Benjamin.
Resta acrescentar: saber criar, com poucas palavras, laços imediatos de cumplicidade e companheirismo é uma qualidade, um talento social e político. Infelizmente, quase sempre, a cumplicidade mais fácil é encontrada em nossos denominadores comuns mais estúpidos: a piada que faz rir a todos é a mais boçal.
Era 1975. Eu estava em Milão para Finados, dia em que acompanhava meus pais na visita às tumbas de familiares e amigos.
No dia 3 ou 4 (feriado na Itália), fui para uma reunião ordinária da célula do Partido Comunista de meu bairro. Clima perfeito para os anos de chumbo: a cada vez que entrava um companheiro, a neblina da rua, insinuando-se na sala, confundia-se com a fumaça dos cigarros. Cheguei tarde e sentei perto da porta. Alguém começou a reunião informando: "Companheiros, morreu P... P...P...P...". Falou como se estivesse gaguejando na letra P.
Outro (provavelmente numa piada ensaiada) repetiu, perguntando "P, P, P, P?". "É", explicou o primeiro, contando nos dedos, "Pier, Paolo, Pasolini, Pederasta". Todos riram.
Recuei até a porta e saí para a rua. Atrás de mim saiu Mario Spinella. A princípio, numa reunião como aquela, Mario teria tomado a palavra e empurrado aquela risada de volta para a garganta de todos -ele tinha paciência e cacife para isso. Mas, naquela noite, o cansaço o venceu. Caminhamos em silêncio, constrangidos e envergonhados, até à casa dele, que funcionava, de fato, como uma espécie de biblioteca aberta dia e noite.
Mais tarde, a casa encheu. Alguém decidiu ser engraçado e encenou a morte de Pasolini na praia de Ostia em dialeto friulano.
Quando fui embora, Mario me acompanhou até a porta e me disse: "Pois é, a boçalidade não é uma prerrogativa de classe".
Cheguei à casa dos meus pais pela meia-noite. Meu pai estava lendo, numa poltrona da sala. Peguei, na estante de poesia, "As Cinzas de Gramsci" (que ainda é o Pasolini que prefiro) e sentei ao lado dele.
Ele disse: "Que bom que você voltou". E ficamos lendo, cada um seu livro, madrugada adentro. Foi a última vez que frequentei a célula de um partido político.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Noticias do Millor

Pergunta: Como é bom Millôr! Finalmente se libertou da Veja? Ufa... agora também já posso parar de receber. Você era o único motivo que me levara a ser assinante. Grande abraço, Homero Sarti, São Paulo-SP. Resposta: As opiniões divergem, Sarti. Eles acham que se livraram de mim. Vamos ver, no fim, quem é quem. abrassão. O Millôr. Leia outras respostas.

O Futebol faz milagres II

Retorno de Cantona, rei de Manchester
Sex, 23 Out, 11h18
Por Sérgio Rizzo

Sérgio Rizzo

Desde que o francês Eric Cantona se aposentou, há mais de 10 anos, a torcida do Manchester United não pode reclamar da falta de ídolos e muito menos de títulos. Roy Keane, David Beckham, Cristiano Ronaldo e Ryan Giggs são alguns dos que foram (e ainda são, no caso do incansável Giggs) venerados em Old Trafford e tremendamente identificados com a leva de conquistas desse período mais recente, incluindo dois títulos europeus e dois mundiais.

Não importa: o lugar ocupado por Cantona no coração da torcida continua intocado, como demonstra “À Procura de Eric”, que abriu nesta quinta-feira a 33ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, será exibido em mais cinco sessões durante o evento e entrará em cartaz no próximo dia 6.

No filme, que oferece diversão garantida para quem gosta de futebol, o protagonista é um carteiro de Manchester, também chamado Eric (interpretado por Steve Evets). Separado duas vezes, com arrependimento pelo que fez com a primeira mulher e em dificuldades para lidar com os filhos adolescentes da segunda, ele está deprimido. Quem aparece para lhe dar conselhos?

Sim, Cantona. Mas não o sujeito temperamental e belicoso que atuou pelo Manchester United de 1992 a 1997, e que chegou a pular na arquibancada para brigar com torcedores (o que lhe custou suspensão determinante para o afastamento do grupo montado pelo treinador Aimé Jacquet para a Copa de 1998).

O Cantona de “À Procura de Eric”, hoje com 43 anos, é uma espécie de consultor “zen”, mais tranqüilo e sábio, que orienta o carteiro a agir para resolver seus problemas com base em ensinamentos do esporte. Diversos golaços são exibidos, mas nenhum deles representa o momento mais sublime que o ex-jogador diz ter vivido em um campo de futebol. Qual foi? Nada de estragar a surpresa.

O Futebol faz milagres

sábado, 17 de outubro de 2009

Daniel Piza: Coda

Quando esta coluna começou, em 2004, o futebol brasileiro vivia um momento semelhante ao atual em muitos aspectos, mas diferente em outros. Eu já vinha escrevendo sobre futebol há muito tempo, na coluna cultural Sinopse, e tinha feito diários da Copa em 1998 e 2002, mas ter um espaço semanal próprio – nesta seção Boleiros, criada naquela reforma gráfica e editorial inaugurada em 17/10/2004 – era a chance de acompanhá-lo mais metodicamente. Afinal, observar o tema tinha me ensinado mais sobre a cultura brasileira do que estantes recheadas de livros. E não posso negar que assistir aos jogos, mesmo que se possa queixar tanto da queda geral de qualidade (como a última rodada do Brasileirão mais uma vez demonstrou), é o tal trabalho prazeroso – aquele que você pede para fazer em vez de lhe pedirem que faça.

Cinco anos depois, período que incluiu o lançamento de muitos documentários (de Pelé Eterno a 1977 - 23 Anos em 7 Segundos) e a fundação do Museu do Futebol (em 2008), o prazer só aumentou. Muita gente diz que futebol não é “im-por-tan-te”. Eu sempre digo: ainda bem! Aí se diz que ele aliena as pessoas, ocultando as mazelas sociais ou minando a energia que deveria combatê-las. Eu respondo: mas então ele deve ser importante, não? Para ter tamanho poder...

Acrescento rapidamente que é pelo mesmo motivo que não embarco nessa moda de intelectualizar o esporte, como se fosse um exemplo das virtudes raciais e/ou nacionais (à maneira de Nelson Rodrigues) e não apenas e eventualmente um campo de inspiração – ou, no pólo oposto, como se pudesse ser explicado por estatísticas de escasso teor científico. E que repudio esse tipo de torcida que se confunde com o irracionalismo na forma de religião e/ou violência. Os vândalos não gostam de futebol, ponto; gostam de descarregar suas frustrações no futebol. E essa diferença, para mim, é fundamental. Ficar de mau humor porque o time perdeu, ou dizer que o amor por um clube é maior que o amor por uma mulher, é ridículo.

Em 2004 o futebol brasileiro estava iniciando a fórmula dos pontos corridos. O Cruzeiro de Alex havia vencido no ano anterior, o Santos de Robinho venceria então. Comentaristas alojados na grande imprensa caíram de pau no sistema porque iria “tirar a emoção”. Hoje é raro ver alguém que não reconheça que ele aumenta o número de jogos decisivos em vez de diminuir. Já a outra lição dele, o profissionalismo exigido para que se premie a regularidade, tem sido aprendida por poucos – como o Palmeiras, não por acaso o atual líder, com o mais vitorioso técnico do período, Muricy Ramalho. O agora vice-líder São Paulo, ainda o menos mal administrado clube do país, foi três vezes vencedor pelos mesmos motivos.

Ter regularidade não necessariamente significa jogar feio, na base da força e da retranca,mas, antes, ter um equilíbrio entre os setores da equipe. As limitações técnicas vêm da carência de revelações, não da fórmula de disputa. Robinho foi a última digna de vibração, e mesmo assim ele jamais cumpriu o futuro que lhe colavam, o de novo Pelé; nunca ficou nem sequer entre os três melhores do mundo. Outro em quem grudaram o rótulo, Ronaldinho, foi de fato quem mais encheu nossos olhos no período, mas apenas por duas temporadas no Barcelona seguidas do fiasco na Alemanha, do qual até hoje não se reergueu. Eis outra lição que deveria ter sido aprendida: vamos conter os ímpetos, vamos usar expressões como “genialidade” com contenção.

Já a volta de Ronaldo ao Brasil serviu para mostrar que o futebol – o dele e o futebol propriamente dito – não é apenas velocidade de pernas, mas sobretudo de raciocínio. Que nos próximos cinco anos isto seja cada vez mais testemunhado.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Saude Mental

CONTARDO CALLIGARIS-Razão, crença e dúvida
Onde se manifesta a razão? Na arrogância de certezas absolutas ou na capacidade de duvidar?
MEU PRIMEIRO contato com a história que segue foi em junho passado, no blog de Richard Dawkins (www.richarddawkins.net, site que se autodenomina "um oásis de pensamento claro"). Dawkins é o evolucionista britânico que se tornou apóstolo do racionalismo ateu e cético, escrevendo, entre outros livros, o best-seller mundial "Deus - Um Delírio" (Companhia das Letras, 2007).Mas eis a história. Em 2002, na Austrália, o casal Sam, de origem indiana, perdeu a filha, Gloria, de nove meses. A menina, a partir do quarto mês, apresentou sintomas de eczema infantil, que é uma condição alérgica que afeta mais de 10% dos bebês e, geralmente, acalma-se ou some aos seis anos ou na adolescência. As causas do eczema infantil não são bem conhecidas; a medicina administra a condição da melhor maneira possível, esperando que passe. O problema é que o eczema (pele seca com prurido) dá uma vontade de se coçar à qual as crianças não resistem, e a pele, ferida, abre-se para qualquer infecção. Foi o que aconteceu com Gloria, que morreu de septicemia. Não foi falta de sorte: o pai de Gloria é homeopata e, em total acordo com a mulher, medicou a menina só com remédios homeopáticos (insuficientes na condição da menina). Isso até o fim, quando ela definhava pelas infecções internas e externas. Gloria foi levada a um hospital três dias antes de morrer: as bactérias já estavam destruindo suas córneas, e os médicos só puderam lhe administrar morfina para aliviar seu sofrimento. Os pais de Gloria foram presos, acusados de homicídio por negligência e, no fim de setembro, condenados pela Justiça australiana: o pai, a oito anos de prisão, a mãe, a cinco anos e quatro meses. Segundo o juiz, Peter Johnson, ambos os pais "faltaram gravemente com suas obrigações diante da filha": o marido pela "arrogância" de sua preferência pela homeopatia e a mulher pela excessiva "deferência" às decisões do marido. Os termos da decisão de Johnson são admiráveis. A obediência -ao marido, no caso-, seja qual for seu fundamento cultural, nunca é desculpa; ela pode ser, ao contrário, o próprio crime. E, sobretudo, o marido é condenado não por recorrer à homeopatia, mas pela "arrogância" que lhe permitiu perseverar em sua crença e em sua decisão diante do calvário pelo qual passava a menina. A sentença de Peter Johnson é, para mim, um modelo de racionalidade, porque estigmatiza a certeza independentemente do objeto de crença. Ou seja, o juiz não discute o bem fundado da autoridade do marido e, ainda menos, os méritos respectivos da homeopatia e da medicina alopática. Tampouco ele quer limitar a liberdade de opinião, garantida pela Constituição; a sentença penaliza apenas, por assim dizer, a rigidez. Se me coloco no lugar dos pais de Gloria, não consigo imaginar uma crença, por mais que ela possa ser crucial para mim, que resista à visão do corpinho de minha filha transformado numa ferida aberta e purulenta. Antes disso, eu (embora confiando, a princípio, na medicina alopática) já teria convocado não só os homeopatas (o que, aliás, seria uma banalidade, visto que a homeopatia é uma especialidade médica reconhecida) mas também todos os xamãs, feiticeiros e curandeiros que me parecessem minimamente confiáveis. E, é claro, embora agnóstico, eu rezaria, sem nenhuma vergonha e sem o sentimento de trair minhas "convicções", pois a primeira delas, a que resume minha racionalidade, diz, humildemente, que há muito no mundo que minha razão não alcança. Se fosse testemunha de Jeová, e minha filha precisasse de uma transfusão (que a religião proíbe), abriria imediatamente uma exceção. Mesma coisa se fosse cientologista, e minha filha precisasse de ajuda psiquiátrica. Sou volúvel e irracional? O fato é que tenho poucas crenças (provavelmente, nenhuma absoluta), e acontece que, para mim, a razão é uma prática concreta, específica: um jeito de pesar e decidir em cada momento da vida. O surpreendente é que, ao ler os comentários dos leitores no blog de Dawkins, os "racionalistas" parecem tão "rígidos" quanto o pai de Gloria. "A razão" (que eles confundem com uma visão aproximativa do estado atual da arte médica) é, para eles, um objeto de fé, uma crença pela qual facilmente condenariam os "infiéis" à fogueira. Com o juiz Johnson, pergunto: onde se manifesta a razão? Na arrogância das certezas ou na capacidade de duvidar?

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Saúde Coletiva

Nos EUA, um seguro de saúde para todos é uma mudança no que define o país e sua cultura.

O PRESIDENTE dos EUA, Barack Obama, tenta cumprir uma das promessas de sua campanha: uma reforma pela qual todos os cidadãos seriam protegidos por um seguro-saúde básico.
Atualmente, o sistema de saúde pública dos EUA protege as crianças, os idosos e os indigentes, mas deixa de molho uma ampla faixa da classe média, que não é indigente, mas não consegue pagar um seguro particular. Mais de 40 milhões de cidadãos, se eles adoecerem gravemente, terão que vender seus bens e se endividar até alcançar a miséria que lhes dará, enfim, direito à assistência gratuita.
Canadenses, europeus, brasileiros etc. estranham que os EUA não disponham “ainda” de algo parecido com, sei lá, a “Sécurité Sociale” francesa ou mesmo o nosso Sistema Único de Saúde: “Como é que pode? A nação mais rica do mundo!”.
Culpar a mesquinhez dos cidadãos mais abastados fica ridículo no caso de um país em que a generosidade é uma regra instituída, a ponto que qualquer caridade implica um desconto direto no imposto de renda das pessoas físicas. Será, então, que o liberalismo norte-americano não entende que o custo de um sistema de saúde é compensado pelo que se ganha em produtividade (trabalhadores atendidos prontamente quando estão doentes, mais saudáveis graças à prevenção, menos angustiados pela pneumonia da mãe etc.)? Duvido.
Resta que Bill Clinton não conseguiu promover um plano de seguro-saúde para todos os cidadãos, e, agora, Barack Obama encontra uma oposição que compromete sua popularidade e divide o país.
O curioso é que, conversando por telefone com amigos e conhecidos (sobretudo os que não votaram em Obama), é difícil encontrar, nos EUA, alguém que não concorde com o princípio de seguro-saúde para todos. Mesmo assim, muitos resistem.
Aparentemente, a metade dos cidadãos dos EUA, perguntados se eles querem um seguro-saúde para todos, respondem: “Claro, quem não gostaria?”, mas acrescentam: “Não quero que o Estado escolha o médico que vai me tratar” ou “Não quero subvencionar os abortos de adolescentes lascivas e inconsequentes” ou, ainda e sobretudo, “seguro-saúde universal não é coisa de país socialista ou comunista?”.
Ora, o plano proposto preserva a livre escolha dos médicos pelos pacientes (sem contar que, nos EUA, a maioria usa convênios que já limitam a dita escolha). O plano tampouco muda o funcionamento das clínicas que praticam abortos. Resta o espantalho do “socialismo”: o que ele significa, 20 anos depois do fim da guerra fria? Certo, na boca dos comentadores da oposição, ele é um pretexto político para reanimar as tropas, mas o que faz sua força?
Pois é, o famoso homem da rua, consultado por mim pessoal e telefonicamente, explicou-me que, no “socialismo”, o Estado se mete nos negócios da gente e acaba com a liberdade dos cidadãos -o que, aliás, não é de todo inexato. Mas eu insisti: “OK, entendo que um seguro-saúde para todos seria obrigatório, e você não gosta de nada obrigatório; mas será que queremos, para nós e para os outros, também a liberdade de ficar no desamparo nos casos de doença?”.
Pois bem, meus interlocutores responderam que eu tinha razão, mas, no fundo, a liberdade, como se expressou textualmente um deles, é também “a liberdade de se foder”.
Entendi assim que talvez a mudança proposta por Obama seja muito mais do que uma mudança de gestão da saúde; talvez se trate de uma mudança no que define, há séculos, os EUA e sua cultura.
Não fica claro? Pois é, imagine que, na formação da cultura brasileira, por uma reviravolta da História e das histórias contadas pela literatura nacional, o traço decisivo não tenha sido, por exemplo, a cobiça do colonizador, mas sim o espírito do bandeirante.
Diante da proposta de um seguro-saúde universal, o colonizador cobiçoso poderia responder “Nada disso (os escravos que se virem)” ou, ao contrário, “Boa ideia, vai melhorar o rendimento dos peões”.
Mas como reagiria o Anhanguera, sobretudo se a sua procura do ouro tivesse se tornado uma épica aventurosa que define o espírito da nação? Suspeito que, como meu interlocutor estadunidense, ele recusaria, explicando que a vida do indivíduo é um risco absoluto, e que esse é o sentido, o charme e o interesse da aventura.
Em suma, às vezes, os próprios traços que fazem ou fizeram a grandeza de uma cultura se tornam, para ela, um passivo.


Por Contardo Calligaris. CONTARDO CALLIGARIS é psicanalista, doutor em psicologia clínica e colunista da Folha de São Paulo. Italiano, hoje vive e clinica entre Nova York e São Paulo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O Show tem que continuar




- O Senado continua a oferecer um show da condição humana, que, mesmo em nível parlamentar, é o que conhecemos: feita de barro, sujeita aos mil acidentes da carne e do espírito. O bate boca feroz entre Eduardo Suplicy e Heráclito Fortes revela a tênue casca de civilização que todos vestimos para suportarmos uns aos outros.
Foi sem dúvida um espetáculo lamentável, na medida em que tentou reavivar uma crise (também lamentável) que ocupou o noticiário e o apetite de sangue, exigindo o "mata! esfola!" cívico com o qual a turma que se considera do bem tem saciada sua fome de moralidade.
O caso Sarney, para todos os efeitos, está encerrado. Lula não pode governar sem o PMDB, e o PMDB, até que surja nova liderança, é Sarney. Curiosamente, está sendo reeditada a dicotomia que prevaleceu nos anos 80, com a dupla Sarney-Ulysses Guimarães. Embora do mesmo partido, Sarney não tinha ainda o som e a fúria do velho MDB, que Ulysses encarnava historicamente. O jeito foi governar com ele. Sem Ulysses, o governo de Sarney não duraria o que durou. O que fez de bom (transição democrática e Constituinte) não teria sido feito.
Por mais estranho e ridículo que pareça, a história agora se repete. Para governar e emplacar um(a) sucessor(a), Lula precisa do PMDB, precisa de Sarney.
Não adiantam as portas do inferno petista baterem contra a dupla. Não prevalecerão -estou citando um texto bíblico. A política tem uma política que a própria política desconhece.
Não adianta chorar nem tentar expulsar os jogadores. Sem eles não há jogo e todos acabam perdendo, entrando em campo a tropa de choque, que aproveita a confusão para uma volta ao passado, quando toda a nação, quando todos nós vivíamos ameaçados por um cartão amarelo.******************************************************************* por Carlos Heitor Cony

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Palmas para Suplicy



O senador Heráclito Fortes (DEM-PI) merece o Troféu Dumb & Dumber de Habilidade e Inteligência Política. E por que ele se fez digno de tamanha distinção? Porque conseguiu cair num truque de Eduardo Suplicy. Ninguém mais cai. Ele é o único e o último.

Suplicy ocupou a tribuna do Senado para pedir a renúncia de Sarney e lhe apresentou um cartão vermelho — mesmo!, de verdade!, um pedaço de cartolina! Já disse o que penso desse seu arroubo tardio. Não repetirei.

O que Suplicy queria? Fugir de sua gritante irrelevância no Senado e no PT e aparecer como alguém que luta contra Sarney. O próprio PMDB não lhe dá trela. Até Sarney, em pessoa, respondeu ontem a suas críticas de uma maneira, vá lá, urbana.

A quem coube o chilique? A Heráclito Fortes, um senador do Democratas. Isso no dia em que membros do seu partido renunciavam ao Conselho de Ética.

Suplicy precisava de uma escada para a sua comédia. E Heráclito foi um coadjuvante perfeito.

Pronto! O senador do PT, agora, virou inimigo de Sarney, e Heráclito, o seu principal aliado! Obra de gênio! É preciso ser muito, como direi?, especial para ser enganado por Suplicy!**********************************************************************por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 18 de agosto de 2009

sábado, 8 de agosto de 2009

Pelé,M. J.,Fred Astaire e... Marlon Brando

DEBORAH COLKER- Ele era um bailarino. Qualquer um que olhasse Michael Jackson dançando também queria dançar. E isso é a coisa mais importante que pode haver no mundo dessa e de qualquer outra arte. O planeta inteiro -crianças, adolescentes e adultos- passou a imitar as coreografias que ele desenvolveu, seu breque, sua maneira de quebrar a música no corpo, a forma como unia os passos ao ritmo. O jeito de ele dançar era hip hop, era funk, era breakdance -mas não resultava em nada disso, porque era reinvenção. Tinha as proporções de um bailarino. Pernas compridas, mãos enormes, aqueles braços. Seu corpo era completamente expressivo. Como Pelé, nasceu com as medidas perfeitas. A dança é uma vida muito árdua, exige grandes esforços. E Michael era um símbolo total disso. Completamente meticuloso, perfeccionista.Ficava visível que todos aqueles passos estavam milimetricamente calculados. Uma precisão acima da perfeição. Mas, ao mesmo tempo, era indisfarçável o prazer que sentia ao fazer aquilo. E nem precisava dançar. No clipe que gravou aqui no Brasil, Michael quase só andava. Mas com uma elegância e uma destreza comparáveis apenas às de Fred Astaire -que de fato era um de seus ídolos. Aprendi a ter prazer no meu ofício olhando Michael dançar. Se a minha companhia existe, se a dança está dentro de mim, responsabilizo totalmente esse homem por isso. Ele teve momentos mais exuberantes, discos menos brilhantes, mas uma festa sem Michael não acontece. É como se eu não tivesse ido. Essas coisas são incomparáveis, mas John Lennon me passou pela cabeça. Quando a gente vai ter a possibilidade de ter outro cara como esse? Saímos perdendo. A humanidade sem Michael Jackson está atrasada. DEBORAH COLKER, 48, é bailarina e coreógrafa.
http://www.youtube.com/watch?v=e3wShd_bX8A&feature=channel

Critica Superflua

Fica,Sarney

Lula, o verdadeiro chefe de Renan sábado, 8 de agosto de 2009
Um texto meu de ontem começava assim: “O triste espetáculo a que se assiste no Senado tem um maestro: Luiz Inácio Lula da Silva“. Pois bem, posts abaixo, vocês lerão que Lula — que ontem resolveu exercitar retórica golpista — endossou o comportamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) no Senado. Segundo o presidente, quem radicalizou foi a oposição!
Lula endossa, assim, o espetáculo de arrogância, truculência e baixo calão protagonizado por Renan. A coisa não pára por aí. Ele também gostou daquela frase emblemática do seu aliado: a oposição é “minoria com complexo de maioria”. Aprovou o achado. Considera que é isso mesmo. Até o peemedebista achou que tinha exagerado, mas não Lula. Como já disse aqui, isso revela uma incompreensão básica, essencial, do que é democracia. Por que as palavras são, como disse, emblemáticas? Porque elas sintetizam e desenham o espírito deste governo: maiorias existem para esmagar; minorias, para ser esmagadas.
“Mas não é assim nas democracias?”, pergunta o petralha. Não, não é, não. Os vários fascismos europeus foram regimes de maioria, alguns “de massa”. E, no entanto, não foram democráticos. A democracia supõe a existência e aplicação de valores — e um dos mais sagrados é justamente a proteção aos direitos da minoria, seja na política, seja na sociedade. Bastasse a maioria, as próprias leis seriam inócuas.
Ninguém, na tropa de choque de Renan, tem algo a perder — alguns dos seus soldados nem mesmo têm votos, já que são suplentes. Ele próprio não ambiciona mais ser algo além do que já é. Sabe que, na carreira, chegou ao topo. E conta com a máquina que montou em seu estado para lhe garantir os mandatos. Renan, Collor, Wellington Salgado… Eis a guarda pretoriana de Sarney. São esses monumentos morais que hoje tentam protegê-lo da própria biografia.
Que as oposições resistam à tentação de celebrar um “acordo de convivência” ou coisa que o valha. É muito importante para o país que Renan seja Renan, Collor seja Collor, e Sarney seja Sarney. Porque isso contribui para que Lula seja Lula.
Torço para o confronto continuar e para Sarney não sair daquela cadeira. O embate revela a real natureza daquela gente esquisita, mas também expõe a real natureza do governo Lula e faz um ensaio do que seria um governo Dilma.
Sarney tem de ficar. Mas debaixo de vara.
********************Por Reinaldo Azevedo*****************

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Homem Natural

CARLOS HEITOR CONY-Biografia e biografado
- Sempre ouvi dizer que o senador José Sarney é um homem de sorte, que nasceu virado para a Lua. Chegou à Presidência da República de forma inesperada, mas legal. E muita coisa aconteceu com ele, provando que a sorte sempre esteve a seu lado. É supersticioso, entra nos aviões sempre com o pé direito, faz sinal-da-cruz quando o aparelho sobe e pousa, sai de um lugar pela mesma porta da entrada, enfim, tem dado certo para ele.Agora mesmo, quando um tsunami invade sua praia, com a mídia consensualmente contra a sua permanência na presidência do Senado, ele tem uma prova do quanto é querido pelos formadores de opinião e pelos profissionais da sua área, que é a política. Nunca um cidadão deste país teve tanta gente preocupada com a sua biografia.Nos últimos dias, o que mais se lê e ouve é que Sarney tem uma biografia invejável e deve renunciar à presidência do Senado para não prejudicá-la. Essa preocupação com a biografia de um político é deveras comovente (perdoem o "deveras", prometo não mais usá-lo).Tem-se a impressão de que não estão dando importância ao cargo, mas à pessoa que o exerce. Para honrar sua biografia, Sarney deveria renunciar para que a vida nacional volte à sua normalidade moral, política e administrativa.Acontece que Sarney tem o direito de administrar a própria biografia, que é dele, e não dos outros. A Comissão de Ética analisará as denúncias contra ele e encaminhará sua decisão ao plenário que o elegeu e que poderá destituí-lo da presidência.Para um político com a sua biografia, e que chegou ao mais alto posto da carreira republicana, ser mantido ou não no cargo atual é irrelevante. A renúncia seria o reconhecimento de que desmereceu de sua biografia.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

terça-feira, 9 de junho de 2009

Final Feliz

Quarta, 27/ Maio/09 Por Sérgio Rizzo
O baile sobre o Manchester United na final da Liga dos Campeões, que fez o estádio Olímpico de Roma parecer o Nou Camp em noite de visitante inofensivo, foi apenas o segundo capítulo de uma história feliz que talvez atinja seu ápice em 2010, na África do Sul.
O início veio na Eurocopa de 2008, conquistada pela Espanha com um estilo de jogo seguro, refinado e agressivo. Posse de bola e armação de jogadas cabiam ao virtuoso meio-campo da equipe -- no qual pontificavam Xavi e Iniesta, os dois melhores em campo hoje, responsáveis pelas assistências para os gols de Eto’o e Messi.
Ao substituir Luis Aragonés no comando da seleção espanhola, Vicente Del Bosque continuou a investir nessa filosofia, que mantém a equipe com 100% de aproveitamento nas Eliminatórias para 2010 e uma longa invencibilidade que se estende há alguns anos.
O Barcelona treinado por Guardiola toca música muito semelhante, premiada com o triunfo de hoje. Um meio-campo de finíssimo trato alimenta um ataque mortífero, que fez 157 gols nas 61 partidas desta temporada histórica, coroada pela primeira tríplice coroa do clube - campeonato nacional, Copa do Rei e título europeu - e por exibições memoráveis, como os 6 x 2 no Real Madrid em pleno Santiago Bernabeu.
Para os admiradores do bom futebol, seria um presente ver a Copa de 2010 nas mãos de uma equipe que exiba essa combinação de talento, agressividade e competitividade. Por enquanto, a Espanha parece bem à frente das outras cinco ou seis seleções que aspiram ao título.
No confronto de hoje, a defesa desfalcada era a do Barcelona, sem Daniel Alves, Rafa Márquez e Abidal, mas foi a do Manchester, reconhecida pela solidez, que rateou logo na primeira situação mais aguda, e justamente em seu lado esquerdo, onde Vidic e Evra formam uma das melhores duplas da Europa.
O gol precoce de Eto’o fez o Manchester provar de seu próprio veneno, bem aplicado na segunda partida das semifinais contra o Arsenal, em Londres. Incrivelmente desestruturado pela abertura do placar, devido a razões psicológicas (alguns erros de passe foram bisonhos) e táticas (as opções de Alex Ferguson se mostraram infelizes), o tricampeão inglês não conseguiu se rearranjar em campo para enfrentar a inesperada desvantagem. A Uefa divulgou, antes da final, que as receitas desta edição da Liga dos Campeões somaram 820,5 milhões de euros; em respeito aos estatutos da entidade presidida por Michael Platini, 75% desse montante (até um limite de 530 milhões) são distribuídos entre os 32 times da fase de grupos, de acordo com a progressão de cada um na competição.
Curioso paradoxo: com essa opulência invejável, a Liga dos Campeões foi parar na sala de troféus do mais romântico dos grandes clubes europeus -- aquele cuja camisa não tem patrocínio (a Unicef, além de divulgada globalmente, recebe uma verba anual do Barcelona), que pertence aos sócios (e não a investidores), que prefere revelar jogadores (e se possível mantê-los em casa por toda a carreira), e que vive da profunda identidade cultural com sua região.

domingo, 7 de junho de 2009

O vidente

Por que gosto de futebol
fonte: O Estado de São Paulo
08 de julho de 2007
O comentário pode ser com um muxoxo, “Ah, futebol não tem importância”, e normalmente vem de alguém metido a intelectual, que também desdenha TV e MPB; só não sei como pode captar um pouco que seja da cultura de seu país, embora pretenda. Não que esses assuntos fiquem mais interessantes quando viram teses em nossas universidades, como têm virado. Mas não é disso que estou falando. Estou falando de João Cabral de Melo Neto escrever poema para Ademir da Guia, “ritmo morno (...) atando o mais irrequieto adversário”; de nosso maior dramaturgo, Nelson Rodrigues, ter sido cronista de futebol por tantos anos; de Chico Buarque compor canção para o tema ou então enfiá-lo em versos como “Quem que te mandou comprar conhaque/ Com o tíquete que te dei pro leite?/ Quieta, que eu quero ouvir Flamengo e River Plate”, com aliterações e rimas de craque.Se o futebol entra dessa forma no universo cultural, é porque é bem mais do que um evento de mídia ou afirmação da pátria. Sua atração vem do jogo em si. Arthur Nestrovski, crítico e músico, disse certa vez que tirava inspiração para sua escrita de uma “certa tensão” com que Falcão batia na bola. O poeta e cronista Paulo Mendes Campos dividiu os times em “épicos” (Flamengo), “clássicos” (Fluminense) e “imprevisíveis” (como o seu Botafogo). Isso tudo começou quando um grupinho de alunos de Cambridge teve a idéia de chutar uma bola num portal e intimou a turma ao lado para disputar uma partida. Por ser com os pés, o futebol é menos previsível, mais dramático, e se há mais erros do que em outros esportes também há mais beleza, pela força e pelo efeito que se podem imprimir na esfera, levando à mistura de combate e coreografia. Nenhum outro esporte se parece tanto com a vida – o heróico e o patético tão próximos, tão sujeitos às contingências de uma narrativa que se reinventa por 90 minutos. Por isso nenhum outro se presta tanto às vicissitudes da opinião. Nelson, que está sendo homenageado na Flip e tem o famoso texto sobre o “complexo de vira-lata” incluído na antologia As Cem Melhores Crônicas Brasileiras (Objetiva), assim como seu irmão Mário Filho – cujo estilo influenciou um ficcionista chamado Carlos Heitor Cony –, virou referência das gerações posteriores por ter tido a clarividência de perceber que a geração de Pelé, Garrincha e companhia merecia a confiança do torcedor magoado pela derrota de 1950. Enquanto isso, os “entendidos”, como ele zombava, só tinham olhos para a raça uruguaia e o escrete húngaro. E, como Kenneth Tynan se deleitando com o teatro de atores como Laurence Olivier e John Gielgud (sim, tudo que nós críticos sonhamos é com uma “era de ouro”), o autor de Álbum de Família tratou de defendê-los sem hesitação.O que os diluidores que o citam o tempo todo não entendem é que tais conceitos e exaltações tinham sua razão de ser. Hoje o Brasil alterna o vira-latismo com o complexo de puro-sangue, de “povo eleito” pela mestiçagem racial para ser o melhor do mundo no ludopédio – noção sem menor consistência científica ou antropológica, a qual Nelson ajudou a estabelecer baseando suas idéias nas do irmão, que entendia mais de futebol e era estudioso e amigo de Gilberto Freyre. (Mario, autor de O Negro no Futebol Brasileiro, só não tinha o dom de Nelson para criar bordões como “príncipe etíope” e imagens como “sol de rachar catedrais”.) Daí a oscilação insana entre a nostalgia dos tempos de Pelé – que já faz 50 anos que foi convocado pela seleção brasileira pela primeira vez – e o oba-oba ufanista para qualquer um que trate bem a garotinha, como Ronaldinho e Robinho, ídolos vergados ao peso das comparações precoces e perversas.Agora o futebol brasileiro vive momento lamentável. Não é apenas a decadência ano a ano do campeonato nacional, explorado selvagemente por clubes corruptos cuja inépcia acaba de ser premiada pelo governo Lula com a tal Timemania. É também a fase de estiagem, em que as poucas revelações não bastam para a tão ansiada renovação; ainda que Dunga não seja técnico para a seleção, o elenco de que dispõe – principalmente sem Kaká – recomenda ceticismo. Aos poucos, quem sabe, os formadores de opinião vão se dar conta de que uma grande geração está chegando ao fim e que essa grande geração foi vítima de uma maledicência que Nelson jamais aprovaria. Quando comecei a escrever sobre futebol, há dez anos, foi em boa parte porque não entendia como se podia desprezar o talento de Ronaldo e de outros como Roberto Carlos, Rivaldo e Cafu, que chegaram a duas finais de Copa e se mantiveram entre os melhores do mundo por quase uma década. Pois então: eles já começam a dar saudades.Sou da geração que sofreu muito com a “tragédia do Sarriá”, há exatos 25 anos, quando a seleção de Telê, com Zico, Sócrates, Júnior e todos aqueles craques, perdeu para a Itália na Copa de 1982 – assunto que até o contista americano Robert Coover abordou num dos textos do livro Guia Cult para a Copa do Mundo. Sócrates era o maestro rebelde do meu time; Zico, meu maior ídolo brasileiro de infância; Júnior, o cara que eu imitava quando atuava na lateral. Eu tinha 12 anos e, quando vi a capa do Jornal da Tarde no dia seguinte, me identifiquei com aquele menino chorando. (Quando se tem 12 anos, é assim que se é. Por desgraça, muitos torcedores não conseguem se emancipar e caem no fanatismo que gera tantas brigas.) Depois que Romário e Bebeto romperam o jejum de Copas, foi bom ver outra boa geração surgir, adaptada ao futebol veloz e forte da atualidade, sem as doces cadências de outrora.Geração inferior à de Zico, mais inferior ainda à de Pelé? Sim, mas digna de admiração – e não de expiação patrioteira, como terminou sendo. Quando digo que o trabalho do comentarista não é prever resultados, me lembram que apostei na volta de Ronaldo em 2002. Não foi previsão; apenas divergi da opinião dominante (que até hoje subestima os dons técnicos do Fenômeno) e fiquei sozinho. Quando fui para a Copa de 2006, na Alemanha, fui com a sensação de que o time, além de ter problemas físicos e táticos e adversários europeus em bom momento, fracassaria também por causa do otimismo nele depositado, mais uma vez pelo recurso da comparação com a seleção de 1970... Infelizmente, continua a valer a máxima de que a seleção só triunfa quando desacreditada.Aprendo, em suma, mais sobre o Brasil ao observar o passionalismo em torno do futebol, de certa maneira, do que lendo centenas de livros. Por falar em livros, está lá em Os Sertões, de Euclides da Cunha, uma antecipação desse traço cultural, quando o escritor se revolta com a truculência do Exército, que precisou tomar uma surra estratégica de Canudos para cair na real. Mas não é para reafirmar nacionalidade que aprecio futebol. É pelo jogo em si, que poetas, cronistas, transmissões de TVs e rádios seguem tentando traduzir, nunca de maneira completa. O prazer do futebol é o de ver coisas difíceis e bonitas serem feitas pelo corpo humano – como os gregos antigos e Nietzsche já sabiam, conscientes de que o ser também se expande no fazer – e extrair disso um ânimo para a vida. Que bom que o futebol não tem importância.

sábado, 6 de junho de 2009

Woody

DESCONSTRUINDO HARRY
JOSÉ GERALDO COUTO

Se Woody Allen é frequentemente confundido com a "persona" cinematográfica que criou -um intelectual estabanado, frágil e neurótico, sempre às voltas com suas raízes judaicas e com a psicanálise-, "Desconstruindo Harry" vem discutir justamente isso: a confusão entre a arte e a vida.
No filme, Harry Block (Woody Allen) é um escritor em plena crise de impotência criativa -que se reflete também em impotência sexual.
Como se isso não bastasse, ainda enfrenta a hostilidade de ex-mulheres, amantes e parentes que não gostaram nada de se ver retratados, ainda que sob disfarces, nos livros do escritor.
Às vésperas de ser homenageado pela mesma universidade que o expulsou anos antes, Block (que em inglês significa "bloqueio") passa em revista a história de seus relacionamentos, tentando entender a origem de sua depressão.
Nessa investigação interior -ajudada, claro, por um psicanalista-, personagens de sua ficção misturam-se com as figuras "reais" que, direta ou indiretamente, os inspiraram.

Desconstrução narrativa
Não é por acaso que o verbo "desconstruir" aparece no título. O filme todo se organiza em torno dessa idéia.
À desconstrução psicanalítica, levada a cabo nas sessões de terapia, corresponde a desconstrução da ficção, tanto no que se refere às histórias escritas por Harry como ao próprio filme.
Não é apenas o fluxo narrativo que se despedaça em blocos -alternando presente, passado e histórias escritas por Harry. A descontinuidade se infiltra no interior de cada cena, de cada plano.
Já as primeiras imagens anunciam essa operação desconstrutora: a partir do mesmo enquadramento, revemos várias vezes a chegada de uma mulher (Judy Davis) à casa do protagonista. Em cada uma das vezes, a montagem "salta" etapas diferentes da ação, criando um movimento instável, nervoso, perturbador.
Se Bergman e Fellini foram a matriz inspiradora de inúmeros filmes de Woody Allen, desta vez a referência mais marcante parece ser o cinema cerebral e auto-reflexivo de Alain Resnais.
Sobretudo o Resnais de filmes que discutem diretamente a criação ficcional, como "Providence" e "A Vida É um Romance".
Allen pode não atingir o mesmo grau de ousadia e radicalidade, mas transplanta com graça e energia aquele tipo de experiência para o interior do grande cinema americano de entretenimento.
"Desconstruindo Harry", além do mais, pode ser visto como uma suma da obra de Woody Allen.
Há, por um lado, o melhor de sua cinematografia recente: o tratamento maduro e matizado das fraquezas humanas, o domínio narrativo, a precisa direção de atores (sempre muito bem escalados), a sofisticação estética.
Por outro lado, Allen parece ter-se sentido seguro o bastante para retomar a verve subversiva de seus primeiros filmes, com sua imaginação extravagante, seu erotismo quase vulgar, sua sátira corrosiva do "establishment" político e cultural americano.
Uma sequência impagável se passa num inferno de produção "trash" de terror, com mulheres lascivas entre labaredas.
Em outro momento, o angustiado Harry Block pergunta a uma prostituta negra (Hazelle Goodman) se ela já ouviu falar em buracos negros. A resposta dela é obscena e deliciosa.
A passagem mais inspirada do filme -a história do ator (Robin Williams) que fica "fora de foco" na vida real- concilia o "jovem Woody Allen" e o "Woody Allen maduro": a imaginação sem freios do primeiro com o requinte técnico que permite concretizá-la.
O tema do judaísmo, recorrente na obra do diretor, nunca teve um tratamento tão direto quanto na cena em que Harry Block vai visitar sua irmã fanática.
Assim como Harry Block, Woody Allen talvez seja "alguém que não funciona direito na vida, mas funciona muito bem na arte".

Allen

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Elegancia e Lucidez

(Buongiorno, Notte). Itália, 2003, 106 min.
Direção: Marco Bellocchio. Com Roberto Herlitzka, Luigi Lo Cascio, Maya Sansa. O sequestro, em 1978, do líder da Democracia Cristã italiana, Aldo Moro, representou um trauma para o país (Moro era a reserva moral da DC, entre outras) e foi, de certo modo, o ponto baixo do pensamento de esquerda e sua ação mais inconsequentemente brutal. Marco Bellocchio retoma esse episódio-chave com uma lucidez impressionante. E filma com tanta elegância e precisão quanto pensa. Uma das grandes obras do século 21.(Inacio Araujo)