domingo, 6 de fevereiro de 2011

Paulo Francis-Um Classico-Coda

São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
FERNANDO DE BARROS E SILVA:" Lucas Mendes é o maestro. Sóbrio, discreto, seguro, embora nem sempre eficiente ou bem-sucedido na tarefa que lhe cabe, ele tenta organizar o debate e dar andamento à pauta do programa. Os solistas não o ajudam muito.O número 1, Arnaldo Jabor, tem rompantes de indignação retórica e longos intervalos de prostração. Parece enfezado, desgostoso do Brasil e de si mesmo, talvez da aposta que fez no atual governo, da qual souber tirar dividendos vários, que agora vê fazer água (voltaremos ao assunto).Menos brilhante e menos espírito de porco que seu antecessor, Jabor é ainda assim um bom "cover" de Paulo Francis. Se esse era, como é, para o bem e para o mal, insubstituível, Jabor incorporou o estilo com talento. Francis era mais cínico e tinha o dom de rir da caricatura que fazia de si mesmo. Isso obviamente não redimia suas barbaridades, seu "fascismo ilustrado" travestido de "mal a l'aise" (mal-estar) aristocrático.Depois de Jabor vêm Nelson Motta e Caio Blinder, os caçulas desse programa de titãs da imprensa tupiniquim-cosmopolita. Estamos falando, como se sabe, do "Manhattan Connection", o programa do GNT que antecipou e é um dos grandes retratos televisivos do Brasil Hall.Para quem não frequentava essa turma há uns bons meses, o programa do último domingo foi uma surpresa -péssima, digo logo. Será que eles sempre gritaram desse jeito, e esse colunista havia esquecido? Será que sempre tiveram coragem de dizer as bobagens do senso comum conservador, muitas vezes vaticinando sobre o que desconhecem, com a mesma desenvoltura? Suspeito de que o programa tenha ganhado estridência, como se a falta de superego de Francis tivesse sido repartida e se multiplicado entre os demais participantes.Arrisquei em 97, quando escrevi sobre o programa, uma hipótese que hoje não parece mais válida, pelo menos não inteiramente. Dizia então que a pauta do programa era de esquerda, progressista, mas que a discussão ia no sentido de desqualificá-la. Dizia que o charme e o segredo do programa residiam nesse descompasso entre o que anunciava e o que de fato realizava. Falava então que o "Manhattan" era a pedagogia do oprimido dos tucanos, a tradução perfeita de um sintoma de época.O Brasil ficou mais cínico nos últimos anos. Vem regredindo com o colapso do projeto de poder de FHC. A dissolução do sonho (mesmo que seja desse sonho, a "utopia do possível" de FHC) está como que liberando uma espécie de "pega-pra-capar" das elites, cada um por si, Deus contra todos.Nos anos de ouro do real houve a farra da classe média, agora há a forra das elites. O "Manhattan" parece refletir uma e outra -a desilusão da classe média e a gangsterização das camadas dominantes.Não há mais descompasso entre o que promete e o que cumpre -o programa agora é abertamente reacionário e urra para dizê-lo- todos gritam, como num filme de Glauber Rocha.Cenas do Brasil Hall.Nelson Motta está permanentemente encantado com a própria frivolidade. Vê-se que se deslumbra consigo mesmo quando diz: "Quem é que iria emprestar dinheiro ao Brasil? A Cruz Vermelha?". Estava então defendendo a submissão (é esse o nome) da política econômica aos técnicos do FMI. Todos concordam e Jabor, sempre entediado, repete que o problema não é o Fundo, nem a agenda do governo ("a agenda é boa"), mas a burocracia brasileira, a mentalidade do atraso, aliada à falta de energia do Executivo.Pelo contrário, sempre houve muita energia nesse Executivo, e se houve, e há, impassibilidade e frieza diante da miséria, ela é reflexo objetivo de uma aliança política que não foi eleita para enfrentá-la, em nenhum momento.Discutiu-se a TV brasileira no último "Manhattan Connection". Discutiu-se é modo de dizer, falou-se meia dúzia de bobagens a respeito. Isso porque deu no "The Wall Street Journal" que a inserção dos pobres no mercado com o real deflagrou uma onda de popularização da programação da TV aberta. Pauta velha, os pobres estão sendo "desinseridos" do mercado. Todos os participantes isolam então o inimigo, falam mal de Ratinho e blablablá.Nelson Motta, sempre ele, aproveita para dizer que Chacrinha era um gênio. Sim e não e mais não do que sim porque no prototropicalismo de Chacrinha, na sua irreverência, estava embutida a figura do animador de auditório que divertia o país atirando bacalhau na cara dos pobres. Violência carnavalizada, barbárie festiva para consumo das massas, germe e fonte de inspiração para os Ratinhos de hoje, esse o destino histórico de Chacrinha.Caio Blinder merece uma nota a parte. É crédulo. É bem-intencionado. Chega a ser comovente. Disse que acredita na teoria da evolução do homem. O povo, disse singelamente, começou a ver TV, passou a comer frango e iogurte, com o tempo vai comer coisas melhores, vai ver programas mais sofisticados. Parece piada, mas é verdade. A moral da história dessa anedota involuntária é a seguinte: o povo não vai dessa para melhor, evidentemente, mas a elite já tem o seu programa do Ratinho. O nome é em inglês e passa na TV por assinatura, um luxo só. É a cara do Brasil Hall, do Brasil Connection, da Conexão Manhattan, sabe-se lá onde essa gente quer chegar... "

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