Quando esta coluna começou, em 2004, o futebol brasileiro vivia um momento semelhante ao atual em muitos aspectos, mas diferente em outros. Eu já vinha escrevendo sobre futebol há muito tempo, na coluna cultural Sinopse, e tinha feito diários da Copa em 1998 e 2002, mas ter um espaço semanal próprio – nesta seção Boleiros, criada naquela reforma gráfica e editorial inaugurada em 17/10/2004 – era a chance de acompanhá-lo mais metodicamente. Afinal, observar o tema tinha me ensinado mais sobre a cultura brasileira do que estantes recheadas de livros. E não posso negar que assistir aos jogos, mesmo que se possa queixar tanto da queda geral de qualidade (como a última rodada do Brasileirão mais uma vez demonstrou), é o tal trabalho prazeroso – aquele que você pede para fazer em vez de lhe pedirem que faça.
Cinco anos depois, período que incluiu o lançamento de muitos documentários (de Pelé Eterno a 1977 - 23 Anos em 7 Segundos) e a fundação do Museu do Futebol (em 2008), o prazer só aumentou. Muita gente diz que futebol não é “im-por-tan-te”. Eu sempre digo: ainda bem! Aí se diz que ele aliena as pessoas, ocultando as mazelas sociais ou minando a energia que deveria combatê-las. Eu respondo: mas então ele deve ser importante, não? Para ter tamanho poder...
Acrescento rapidamente que é pelo mesmo motivo que não embarco nessa moda de intelectualizar o esporte, como se fosse um exemplo das virtudes raciais e/ou nacionais (à maneira de Nelson Rodrigues) e não apenas e eventualmente um campo de inspiração – ou, no pólo oposto, como se pudesse ser explicado por estatísticas de escasso teor científico. E que repudio esse tipo de torcida que se confunde com o irracionalismo na forma de religião e/ou violência. Os vândalos não gostam de futebol, ponto; gostam de descarregar suas frustrações no futebol. E essa diferença, para mim, é fundamental. Ficar de mau humor porque o time perdeu, ou dizer que o amor por um clube é maior que o amor por uma mulher, é ridículo.
Em 2004 o futebol brasileiro estava iniciando a fórmula dos pontos corridos. O Cruzeiro de Alex havia vencido no ano anterior, o Santos de Robinho venceria então. Comentaristas alojados na grande imprensa caíram de pau no sistema porque iria “tirar a emoção”. Hoje é raro ver alguém que não reconheça que ele aumenta o número de jogos decisivos em vez de diminuir. Já a outra lição dele, o profissionalismo exigido para que se premie a regularidade, tem sido aprendida por poucos – como o Palmeiras, não por acaso o atual líder, com o mais vitorioso técnico do período, Muricy Ramalho. O agora vice-líder São Paulo, ainda o menos mal administrado clube do país, foi três vezes vencedor pelos mesmos motivos.
Ter regularidade não necessariamente significa jogar feio, na base da força e da retranca,mas, antes, ter um equilíbrio entre os setores da equipe. As limitações técnicas vêm da carência de revelações, não da fórmula de disputa. Robinho foi a última digna de vibração, e mesmo assim ele jamais cumpriu o futuro que lhe colavam, o de novo Pelé; nunca ficou nem sequer entre os três melhores do mundo. Outro em quem grudaram o rótulo, Ronaldinho, foi de fato quem mais encheu nossos olhos no período, mas apenas por duas temporadas no Barcelona seguidas do fiasco na Alemanha, do qual até hoje não se reergueu. Eis outra lição que deveria ter sido aprendida: vamos conter os ímpetos, vamos usar expressões como “genialidade” com contenção.
Já a volta de Ronaldo ao Brasil serviu para mostrar que o futebol – o dele e o futebol propriamente dito – não é apenas velocidade de pernas, mas sobretudo de raciocínio. Que nos próximos cinco anos isto seja cada vez mais testemunhado.
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